Desde que fez sua estreia na Bovespa, em março de 2007, a rede de faculdades Anhanguera vive um processo de mudanças intensas. Até então, a empresa tinha apenas 13 campi, quase todos instalados entre Jundiaí e Pirassununga, às margens da rodovia que dá nome à empresa e que corta o interior do estado de São Paulo. Com a abertura de novas unidades e uma série de 26 aquisições nos últimos três anos, a base de alunos triplicou para 294 000 em todos os estados do país. Hoje, a Anhanguera é a maior rede de universidades brasileira, com receitas de 900 milhões de reais em 2009. Para apoiar a expansão, a contratação de novos executivos aconteceu em velocidade igualmente acelerada. Dos atuais dez vice-presidentes e diretores, seis chegaram à empresa nos últimos três anos. O caso mais recente foi o do diretor financeiro Oseas Candela dos Santos, que deixou o varejista Walmart há apenas um mês. "Montamos uma política de remuneração variável do zero para atrair novos profissionais", diz Adriana Chaves, diretora de recursos humanos da Anhanguera e ela mesma uma recém-chegada, vinda há quatro meses da distribuidora de energia paulista Elektro. "Em 2007 começamos pela pri meira vez a distribuir um bônus anual e, a partir deste ano, lançamos um plano de opção de ações." Somados, os incentivos renderam metade da remuneração total de seus diretores em 2009.
A agressividade da Anhanguera é parte do retrato de uma nova fase do capitalismo brasileiro. Até pouco tempo atrás, os maiores salários e os melhores benefícios estavam nas subsidiárias das multinacionais. Esse padrão começou a ser rompido com a onda de aberturas de capital nos últimos anos. Desde 2004, 120 companhias brasileiras chegaram à bolsa. De largada, as estreias produziram um restrito grupo de felizardos que embolsaram, numa só tacada, lotes de ações com valor acima de 1 milhão de reais. O crescimento do número de companhias listadas e a procura cada vez mais intensa por profissionais tarimbados para atuar nessas empresas resultaram numa inversão histórica. Um levantamento exclusivo feito pela consultoria de recursos humanos Hay Group com 256 companhias instaladas no Brasil mostra que a mudança começou de forma tímida em 2009 (veja quadro abaixo). Naquele ano, as listadas pagaram uma remuneração em média 12% maior que as empresas fechadas (um grupo formado basicamente por subsidiárias de multinacionais e companhias familiares). Neste ano, a vantagem disparou: o aumento chegou a 40%. Os executivos das empresas abertas já são maioria entre os milionários do país — 58% dos 984 profissionais que recebem mais de 1 milhão de reais por ano. "Muitas dessas empresas não buscavam profissionais no mercado até pouco tempo atrás e atuam em setores que não estavam no radar dos executivos mais disputados", diz Paulo Mendes, sócio-diretor da companhia de recrutamento de altos executivos 2Get. "Para atraí-los, elas tiveram de provocar uma inflação nos salários."
A diferença se nota tanto na parcela fixa quanto nos incentivos variáveis. Mas é principalmente neste último pacote que se concentra grande parte do trunfo das companhias abertas. Com planos de expansão grandiosos — e a necessidade de motivar executivos a transformá-los em realidade —, muitas dessas companhias estruturam planos de remuneração variável poderosos. Nas empresas abertas, o pacote de ganhos variáveis já representa 60% do que diretores e presidentes embolsam todo ano (nas fechadas, o índice não passa de 40%). Trata-se de um fenômeno que pode ser claramente observado na ALL Logística, uma das pioneiras a abrir o capital, em 2004. O salário-base deve representar apenas cerca de 20% da remuneração total de seus diretores em 2010. Todo o resto é composto de bônus anuais e um programa de opções de ações arrojado. Além dos diretores, cerca de 1 000 gerentes, técnicos e supervisores têm metas individuais de desempenho que podem render até 16 salários extras por ano. "A remuneração variável é o principal atrativo para novos executivos e é também o maior estímulo para o cumprimento de metas", diz Melissa Werneck, gerente de gente da ALL. "Se a companhia consegue chegar lá, todos saem ganhando."

Com mais poder de fogo, essas companhias agora podem se arriscar a contratar executivos com o perfil desejado onde quer que eles estejam. Foi o que aconteceu com a rede de varejo de moda Renner, cujo controle acionário foi pulverizado na bolsa em 2006. Há cerca de dois anos, a empresa foi buscar o gaúcho Leandro Fachin Balbinot na sede da InBev (hoje ABInBev), na Bélgica, para ocupar o posto de diretor de TI. No ano seguinte, a companhia, comandada pelo executivo José Galló, contratou o paulista Luis Roberto Santamaría, que trabalhava na matriz da Siemens, na Alemanha, para atuar como gerente de logística. Trazer gente de fora só foi possível por causa do modelo de remuneração adotado pela Renner. Em 2009, cada um de seus diretores ganhou perto de 4 milhões de reais. Nesse pacote, o salário fixo corresponde a cerca de 25% do total — é a parcela variável que faz a diferença, sobretudo o plano de opções de ações, que pode chegar a metade dos rendimentos anuais. Nos últimos cinco anos, as ações da Renner valorizaram mais de 500%. "É um pacote muito sedutor", diz Adalberto dos Santos, diretor administrativo e financeiro da empresa. A Natura, maior fabricante de cosméticos do país, passou por uma experiência semelhante à da Renner. Para atrair gente com capacidade de atuar no mercado internacional, a empresa subiu a régua da recompensa paga a seus executivos a partir de 2008. O ganho potencial multiplicou e hoje pode chegar a 14 salários adicionais por ano — além de outros dez salários em opções de ações. A mudança capacitou a empresa a atrair profissionais como a paulista Telma Sinício, vice-presidente de inovação, contratada em novembro do ano passado. Telma participou de um recrutamento internacional e, para aceitar a proposta, deixou uma diretoria na área de desenvolvimento de produtos da sede da Johnson&Johnson, em Nova York. Seu trabalho agora é desenvolver parcerias internacionais de inovação e criar produtos diferentes para os 11 países nos quais a Natura está presente. "Hoje olhamos para empresas que enfrentam os mesmos tipos de desafio que os nossos para balizar nossas recompensas", diz Marcelo Cardoso, vice-presidente de desenvolvimento organizacional da Natura. "Olhar apenas para o nosso próprio setor de atuação não é mais suficiente."
Democratização
Pacotes de remuneração mais generosos ajudam a compensar uma rotina especialmente atribulada. A vida dentro de uma empresa de capital aberto exige de boa parte dos executivos um ritual exaustivo de visitas a investidores dentro e fora do Brasil, publicação de relatórios, contato frequente com analistas e, principalmente, cumprimento de metas trimestrais — um objetivo que perpassa todos os setores da companhia. Além disso, a transparência exigida nesse jogo coloca as empresas abertas numa espécie de sala com paredes de vidro — os resultados estão sempre sob o escrutínio público, para o bem ou para o mal. A pressão extra cobra um preço de quem trabalha. E quem trabalha sob pressão passa a exigir uma compensação por isso. Para manter seus melhores profissionais, a partir deste ano, a curitibana Bematech, fornecedora de sistemas de automação para o varejo, aumentou a parcela variável paga a seus executivos. Uma nova regra, aprovada em abril, permitirá que os diretores usem, a partir de abril de 2011, seus bônus para comprar ações da companhia a preço de mercado — em contrapartida, receberão um valor equivalente ao dobro da valorização da ação nos 12 meses anteriores à aquisição dos papéis. Com o novo plano, está previsto um aumento de 16% para o componente variável da remuneração dos altos executivos da Bematech. "À medida que a empresa cresce, aumentam a energia gasta com investidores e a pressão por resultados", diz o vice-presidente de desenvolvimento organizacional Luiz Carlos Valle Ramos. "E os executivos precisam ser remunerados por isso."
A agressividade das companhias abertas cria um efeito novo sobre o mercado. Historicamente, pacotes de remuneração milionários restrigiam-se a um seletíssimo time de executivos, ocupantes dos mais altos postos das empresas. Porém, à medida que as companhias espalham pela hierarquia o modelo de remuneração criado para o topo da organização, a situação muda. A mineira Localiza, maior locadora de automóveis do país, tornou-se célebre em 2006, quando abriu o capital e fez um grupo de 24 executivos milionários da noite para o dia graças a um pacote generoso de ações. Nos últimos anos, a empresa tem levado esse modelo a níveis mais operacionais. Hoje, 413 funcionários — entre diretores, gerentes, supervisores, técnicos e analistas — participam do programa de opções da Localiza. Alguns chegam a ganhar o equivalente a até 30 salários extras por ano em opções de ações. "É uma forma de motivar e premiar as pessoas que estão na linha de frente de nosso negócio", diz Hélvia Barcelos, diretora de gestão de pessoas da empresa.
A democratização dos bônus é uma forma também de manter os melhores profissionais — não importando em que nível hierárquico eles se encontrem. Foi dessa forma que a Souza Cruz conseguiu estancar uma debandada de talentos ocorrida no início de 2008. "Em três meses, perdemos cinco pessoas-chave da área de marketing", diz Fernando Teixeira, diretor de recursos humanos da Souza Cruz. Todos foram seduzidos por ofertas de outras empresas que se instalavam ou expandiam suas atividades no Rio de Janeiro, em sua maioria petroleiras e mineradoras (também de capital aberto). Como contra-ataque, a Souza Cruz aumentou o valor da remuneração variável. No ano passado, um grupo de 100 profissionais, de três dos sete níveis de gerência, passou a receber um bônus anual maior — o potencial de ganho subiu de nove para 14 salários extras por ano. "Os bônus e os incentivos não conseguem, sozinhos, segurar um profissional, mas são elementos cada vez mais importantes na decisão de ficar ou não em uma companhia", diz Fátima Zorzato, da consultoria de recrutamento Russell Reynolds.
Com a exigência da divulgação do salário pago aos diretores nas companhias abertas imposta pela Comissão de Valores Mobiliários a partir deste ano, é bem provável que a escalada continue. "Ao revelar detalhes da remuneração dos principais executivos, as empresas ficam mais expostas e, portanto, mais vulneráveis", afirma Fernando Pedó, diretor de compensação executiva da consultoria de recursos humanos Mercer. "Isso deve obrigar muita gente a aumentar a remuneração para conseguir segurar seus melhores profissionais." Segundo especialistas, a tendência também pode puxar para cima os ganhos nas companhias fechadas. Diferentemente do que fizeram muitas das pioneiras, cada vez mais as empresas aspirantes à abertura de capital contratam executivos de mercado antes de fazer o IPO — normalmente por salários maiores. Foi o que fez a paulista Comerc, companhia de compra e venda de energia elétrica criada em 2005, com faturamento de 300 milhões de reais no ano passado. Há alguns meses, a Comerc criou um programa de ações que permite um ganho anual de até 40 salários extras. Dos 16 executivos que participam do plano, 15 vieram do mercado financeiro, de grandes bancos como Bradesco e Safra. "Não temos data para abrir o capital, mas estaremos preparados para isso se acharmos que esse é o melhor caminho", diz Cristopher Vlavianos, presidente da Comerc. O cenário de concorrência vem rapidamente se transformando no Brasil. Os executivos, como demonstram os fatos, estão entre os grandes beneficiados.